domingo, 30 de janeiro de 2011

Na academia do mestre Tabosa.

Certa vez aconteceu um fato interessante,numa das rodas de sábado,na academia do mestre Tabosa. O endereço era na avenida W3 sul ao lado da biblioteca.
  O mestre Fritz apareceu acompanhado de um capoeirista,o qual foi apresentado a todos os presentes,como discípulo do mestre Acordeon. Disse ainda que ele estava com projetos de ensino em Brasília dirigido a todos que se interessassem.
  Uma característica que eu observei na grande maioria dos capoeiristas que aqui chegavam,era a completa falta de modéstia,quando interagiam com os mais novos e supostamente inocentes.
  Existe uma cantiga de maculelê que diz mais ou menos assim: - ....."chegando em terras alheias,pisar no chão devagar". Mas a filosofia só funciona se for aplicada,e não era o caso deste baiano.
  O mestre Fritz hipertrofiou tanto o ego do indivíduo com elogios fazendo-o olhar-nos todos como meros neófitos.
  Logo fui convidado para jogar e pude perceber o seu "bate-asas"na minha direção.
  Dele só me lembro de um cordão com um crucifixo em ouro,o qual foi arremessado ao teto da academia,sob o impacto da minha meia-lua-de-compasso.
  Nunca mais se ouviu falar do tal sujeito.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Um pouco de historia

Comecei praticando judô,por volta de 1963, no Colégio do Setor Leste com excelentes mestres da época.

Fazia parte do currículo estudantil como opção para aqueles, que não gostavam de futebol .

Eu gostava da capoeira, mas continuei praticando o judô no Colégio Elefante Branco (CEMEB) onde fiz também o segundo grau.

Nesta época eu já possuía bons conhecimentos de capoeira . Meus primeiros "alunos", também eram,alunos do Colégio do Setor Leste,exceto  dois irmãos, moradores na SQS 306 e filhos de um gerente de banco estadual. Eles formaram-se depois em engenharia e análise de sistemas. Um de seus primos tornou-se piloto de aeronaves .  O quarto, trouxe os demais para o nosso grupo. Ele foi o propagador dos nossos encontros  para o resto da família . Foi também um grande corredor dos COBRAS do DF, além de  excelente profissional na área contábil. Pouco tempo atrás eu tive o imenso prazer de revê-lo,junto com a companheira, na roda domingueira do mestre Kall - São motoqueiros como eu.  Ele se identificava como um rapaz alto,de bons costumes e tímido. No Colégio do Setor Leste, como em todos as escolas,sempre existiram aqueles que chamamos de "Bullies".   São os valentões,oportunistas, maus-elementos, aproveitadores da fraqueza de uns, para saciar os seus instintos selvagens .  Este rapaz sempre foi maltratado por um indivíduo que também estudou no CSL.  Sujeitava-se a todo tipo de humilhações por parte do tal sujeito. Um dia,quando eu estudava em casa, ele passou ao lado da minha janela e disse-me que iria finalmente ajustar as contas. Eu não dei muito crédito e continuei a estudar. No dia seguinte soube que o mau-elemento estava internado no "Hospital Distrital"( hoje Hospital de Base) com a mandíbula toda quebrada.  
O meu aluno,realmente cumpriu o prometido.  O cara ameaçado, não acreditando no que presenciava,partiu para cima do meu aluno. Ele deu muitas voltas em torno do valente sem tomar qualquer decisão,mas deixando-o ameaçar até cansar.  Súbitamente o meu aluno começou a retirar a  sua camiseta,induzindo o adversário a fazer o mesmo. Ele não completou a retirada,parando a camiseta na altura dos olhos atentos.  Em contrapartida o adversário completou a retirada da camiseta e obstruiu momentaneamente sua visão. Meu aluno aproveitou-se da sua falta de malícia  e atacou-o com uma banda trançada.  Antes mesmo da queda se completar, recebeu um chute na face com a outra perna ,resultando no que descrevi acima.  Nunca mais se ouviu falar de qualquer covardia praticada pelo tal sujeito.        Haviam mais dois alunos,além do "vingador" que moravam num acampamento,onde hoje situa-se a SQS 207.  Um deles, veio a falecer de um câncer de estômago,faz alguns anos atrás. Seu pai tinha um programa numa rádio local sobre astrologia. Era um capoeirista dotado de uma grande leveza e agilidade. Guardo uma foto de 1969,publicada no correio braziliense,onde ele aparece ao fundo juntamente com outros famosos capoeiristas da época . O outro era mais gordinho,cearense, de poucas palavras e um nome  incomum . Quando o mestre Tabosa começou a ministrar aulas na FAUnB em 1970,começamos também a batizar todos os nossos alunos. O  cearense,não gostou da idéia, pelo motivo de ser mais antigo que os demais na capoeira . Mesmo assim não foi poupado de levar um  martelo preciso no peito. Terminei o jogo considerando-o batizado. Ele inconformado, me puxou para o pé do berimbau,dizendo que o jôgo ainda não havia acabado. Interpretei aquilo como uma ameaça com a finalidade de revide. Então,o rapaz mal-educado, levou um outro martelo no peito,mas  desta vez com mais forte. Ele sentiu-se ferido,físico e moralmente,mas dei-lhe a oportunidade de descontar.  O sistema  no início era violento ,pela forma como batizávamos.   Neste mesmo evento,realizado num dos anfiteatros da ala sul do minhocão da UnB,batizei um  capoeirista,aluno do mestre Tabosa, o qual viria a tornar-se  o líder de um grande grupo.. Este aluno do mestre Tabosa,hoje em dia não o reconhece como seu mestre,dizendo-se  um auto-didata cuja iniciação deve a um ex-aluno meu.??????  Ele talvez não se lembre da bênção que lhe apliquei no peito,cuja intensidade arremessou-o sobre a segunda fileira de cadeiras,dois níveis acima.       Realizávamos treinos, ao cair da tarde, em frente a uma pedreira que existia dentro do acampamento onde hoje existe a SQS 207 .   Estes primeiros alunos, logo começaram a difundir o que eu lhes ensinava .  Um desses aprendizes dos meus alunos,havia me armado uma cilada no Colégio do Setor Leste em 1964 . Era um negro alto, forte e conhecido pela sua fama de brigão.   Eu mal começara o primeiro ano do ciclo ginasial e durante o recreio eu me encontrava na frente da cantina da escola,junto com alguns amigos.  O tal negro passou diante de mim e fiz a besteira de repetir um apelido que alguns de seus amigos lhe chamavam - "Das nuvens"-  . Penso que deveria ter ficado calado, mas agí inocente e precipitadamente pensando em me entrosar no meio da galera, sem pensar nas consequências. E para a minha surpresa, o famoso negão-encrenqueiro-da-quadra, partiu na minha direção mal-intencionado.  Mesmo sem nenhum conhecimento de capoeira ainda, mas por sentir-me acuado,  eu não hesitei em aplicar-lhe um golpe certeiro no peito,cujo nome conheceria mais tarde,como a bênção . O valentão foi derrubado para fora do piso da cantina. Ele ficou atônito com a inesperada atitude que  tomei. Os espectadores não acreditaram no que estavam presenciando. Tratava-se de algo inusitado, o fato de alguém enfrentar o terrível valentão do colégio. Ele não revidou de imediato,seja pelo receio da repercussão junto à diretoria, ou seja pela característica comum aos covardes e oportunistas,cujas ameaças por gritos e gesticulações,postergam a retaliação para outro momento.   Senti mêdo,mas a lógica me tranquilizou, ao notar que toda aquela encenação tinha o objetivo único de reduzir a minha auto-estima . Soou a sirene da saída e lá fora do colégio, encontrava-se reunida uma platéia,formada na sua maioria por meninos,sedentos por assistir a uma boa briga. Muita semelhança com as rinhas de galo ou de pássaros, touradas, cristãos jogados aos leões ou os combates sangrentos dos gladiadores no antigo Coliseu. Os espectadores fecharam um grande círculo em cujo centro  encontrava-se o brigão.  Sem camisa e todo cheio de empáfia,gesticulava e  fazia caretas para a platéia ansiosa. Não devia estar tão confiante assim,haja vistas ter experimentado a desmoralização que  abalou a sua imagem e supremacia na hora do recreio.  Quando começamos a briga ,até que as coisas estavam indo bem para mim,não fosse a interferência da sua turma.  Eles me agrediam nas costas com socos,chutes e empurrões,cujo desequilíbrio me projetava na direção do inimigo . Ao me virar para procurar o responsável, me esquecia do adversário,o qual me desferia um forte sôco na parte posterior da cabeça.  E assim fui apanhando muito deles. Ninguém interferia em meu favor.   Vocês não podem imaginar a expressão de tristeza e desespêro, estampado nas faces dos meus pais quando me receberem em casa com o rosto deformado e ensanguentado.  Foi algo inesquecível! Mas em 1965 comecei a praticar a capoeira,COMO LUTA,sem me importar com seus fundamentos tradicionais,os quais para mim tornavam-na fraca em combatividade!!!


O tempo passou e o valentão  começou a treinar com estes meus alunos lá do acampamento da 207 sul . Eu ficava imaginando qual seria o motivo pelo qual ele teria tanto interesse em aprender a capoeira ,pois considerava-se o bam-bam da briga-de-rua. Talvez  seja porque sua auto-confiança não era tão elevada assim,ou então por saber quem era o instrutor de seus amigos .  Sei lá!!   Depois de um certo tempo voltamos a conversar como se nada houvesse acontecido no passado.

Um belo dia eu estava treinando armadas na entrada "E" do bloco 15 da SQS 410 onde morei até julho de 1977.  Eu costumava usar uma caixa de papelão dobrada em sí para dar a consistência de uma tábua comprida e a semelhança de um braço estendido à minha frente.  Prendia uma de suas extremidades, ao fechá-la entre  as duas portas da entrada do edifício .  Era a maneira que eu encontrava de treinar sozinho,pois não encontrava alguém que suportasse o impacto dos meus golpes em suas mãos,repetidas vezes. Num desses treinos,o "Cara"apareceu.  Reduzi imediatamente a velocidade e a intensidade das armadas,para não assustá-lo.   Nos cumprimentamos e ,conversa-vai-conversa-vem, sugeri educadamente ,que fizéssemos um treininho, ali mesmo,sem berimbau,de modo que eu pudesse avaliar os seus progressos . O cara aceitou sem titubear. Inicialmente treinamos uns golpes nas mãos protegidas por chinelos de borracha . Não demonstrei-lhe a potência dos meus golpes,mas o incentivava a bater nas minhas mãos com toda a intensidade possível. Assim eu escaneava totalmente o negão. A seguir comecei um gingado à sua frente,o qual foi imediatamente correspondido por ele. Soltei alguns movimentos e deixei-o fartar-se com diversos golpes traumáticos sobre o meu corpo. Isto aumentava a minha ira pela dor que me causava,ao mesmo tempo em que fazia exaurir suas energias.  Gradualmente eu ia aumentando a minha auto-confiança, pois apesar da diferença corporal ser notável,ele não desferia nenhum golpe que me abalasse. Eu fingia ser um alvo-fácil, atraindo-o  para o meu raio de ação . O fazia  acreditar que estava levando vantagem atingindo-me  facilmente com golpes que apenas me causavam hiperemia cutânea. Um dos princípios da capoeira é o constante vai-e-vem. Quando o alvo parece de fácil acesso,o capoeira avança desconfiado,mas prestes a recuar; logo em seguida volta a avançar,e apenas quando as condições se tornarem favoráveis ataca definitivamente. Nunca fica próximo por demasiado tempo ,mesmo quando o adversário aparenta estar ferido.  Esta passividade, pode ser uma cilada para deixá-lo no tempo e espaço da execução. E neste sentido, o negão , estava se deliciando com a moleza em me atingir nos braços, pernas,abdome, sem que eu esboçasse qualquer reação.  Depois de trabalhar todas aquelas variáveis ,eu me enchi de confiança e desferí-lhe um pisão(Escorão), com a perna direita partindo da segunda base e atingindo-lhe em cheio o centro do abdome. O movimento foi tão forte,que eu senti minha planta  tocar  sua coluna vertebral lombar.  Suas mucosas empalideceram enquanto experimentava  uma queda gradual . Fez algumas convulsões que me assustaram. Pensei com meus botões: - Matei o cara!!!   Tratei de socorrê-lo,mas com a cautela instintiva dos predadores menores, os quais certificam-se antes da veracidade absoluta do abate . É o conhecido de todos : -  "Não catucar a onça com vara curta".  Quando atestei o nocaute,arrastei-o para a entrada mais próxima do edifício,enquanto a vizinhança já se empoleirava toda curiosa, sobre as janelas.  Felizmente nada aconteceu de grave com o valentão,cuja recuperação dos sentidos foi acontecendo aos poucos .  Desde aquele dia ele passou a me respeitar.   A notícia se espalhou rapidamente e todos os outros maus-caracteres das redondezas,passaram também a me respeitar.   Surgia a partir daí, um mito em torno deste acontecimento. Certas pessoas,insatisfeitas, começaram a dizer que eu fiz aquilo por vingança. Outras disseram que foi covardia da minha parte por estar em condições técnicas melhores do que as dele. Não mencionaram alguma só vez ,a diferença física que existia entre nós, nem o fato de que a primeira briga poderia  tranquilamente ter sido resolvida,sem eu saber nada de capoeira,mas sem a participação da sua gangue  . Um dos participantes da "muvuca" que covardemente me espancou,morava na 409S e era também metido a brigão. O bichinho era feio-de-doer. Parecia que fazia um peeling facial diariamente . Era um covarde,oportunista. Só brigava com o respaldo de outros. Seu irmão era metido a valente também,mas andei dando-lhe umas porradinhas. Um outro,famoso valentão da quadra,recebeu uma encarada minha por tentar me tomar uma pipa-voada que eu havia pego. Era um cara de olhos azuis e cabelos claros. Armava o maior terror na quadra. Não quis me encarar e foi embora.  A capoeira já começava a dar respeito aos seus praticantes.   Esses caras faziam fama em cima dos mais fracos,  agredindo-os ,inesperado e indefensávelmente . Depois entrava a turma –do-deixa-disso separando os participantes da briga - relâmpago e deixando o valentão com a glória da vitória enquanto o agredido,ferido e desmoralizado. Outros,como abutres,ainda mais covardes, aproveitavam o que sobrou da briga  para deixar também a sua marca num corpo inerte .  E desta maneira caminha , boa parte da humanidade.

Conhecí umas academias no Rio de Janeiro (Piedade) onde aprendi coisas importantes .   Faltava-me  executar no berimbau,uma nota cuja ausência deixava o ritmo incompleto. Um mestre do subúrbio da Piedade, também policial civil , tirou-me definitivamente essa dúvida atroz. O som que me faltava era simplesmente aquele resultante da simples pressão,sem percussão, da moeda sobre o arame vibrando.  Nos encontramos apenas uma vez,mas foi o suficiente para dar continuidade ao que me faltava como iniciação aos mistérios do grande "Mestre berimbau". A  única lembrança física que  guardei dele,foi a de um estigma facial , pela perda de um dos globos oculares.  Não o vi jogando e nem sei se ainda jogava. Ele ensinou o mestre Russo( O qual também nunca mais tive notícias). Vejam só a importância e o alcance daquilo que ensinamos. Devemos ser auto- críticos em relação ao conteúdo dos nossos ensinamentos,pois nada se apaga, e suas repercussões são as mais variadas.  O que plantamos poderá não ser colhido por nós mesmos, mas o que fecundar ,com certeza, será semelhante àquilo que plantamos...com o joio do lado.

 Ainda a respeito dessa academia  no Rio de Janeiro ,lembro-me que participei de uma apresentação deles na antiga TV TUPY Canal 6,onde funcionava,outrora,o famoso cassino da Urca. O grupo foi levado pelo mestre Russo,do qual já lhes mencionei a origem.  Ele era um indivíduo alto e muito branco,daí o seu apelido . Seus capoeiristas trajavam uma calça folgada de brim azul,com uma franja branca costurada na boca de cada perna. Na cintura uma corda acetinada com um destaque nas pontas.  Na parte superior usavam uma camisa de cetim sem botões,amarrada na frente por um nó simples . Durante algum tempo adotei este uniforme, sem a camisa. Fiquei muito honrado por terem me convidado a participar desta apresentação na televisão .  Existiam duas figuras inesquecíveis no grupo : - Uma delas,era um indivíduo com um esteriótipo nordestino. Não jogava bonito,mas era mestre em quebrar com a cabeça algumas telhas empilhadas, após saltar sobre elas. Apesar de estarem acolchoadas sob uma lona dobrada,era com certeza, um feito inusitado. Sua façanha,parecia mais com aquelas realizadas por praticantes de artes marciais orientais.

A outra tratava-se de um rapaz,muito forte,originário de um circo. Ele tinha total domínio do corpo. Depois da apresentação na TV ele fez uma bananeira na murada que contornava toda a praia da Urca. Além dessa murada,ficava um precipício ,onde o mar, batia sobre as rochas.  Eu gostava de um desafio,mas quando avaliei a possibilidade de uma queda fatal, desistí de imitá-lo. Ele era fantástico! Nem o vento o incomodava. O que compensou a minha frustração em não ter realizado a bananeira,foi o acréscimo de conhecimentos úteis sobre a capoeira. O rapaz acrobata ,não demonstrava mais eficiência durante o jôgo ,apesar da sua desenvoltura circense. Era mesmo até um tanto desajeitado. Aos poucos eu começava a entender que a capoeira não era somente desenvolvida sobre corpos ágeis.

O Russo e seu grupo ,perguntou-me depois a qual grupo eu liderava. Estranhei a pergunta e cheguei a rir achando que estavam zoando comigo. Apesar de já estar dando aulas em Brasília,minha autocrítica não me fazia imaginar que o meu desempenho pudesse produzir respeito e admiração nas pessoas fora de Brasília. Eu pensava que os melhores encontravam-se sempre nos outros estados. E nesse sentido,eu sepultei definitivamente essa crença,quando disputei o campeonato brasileiro em 1977 com um adversário da Bahia .   Eu  pensava ser apenas mais um cara esforçado em busca de novos conhecimentos,mas cujas fronteiras certamente estariam muito além do meu alcance.    Lêdo engano!!!!!!.

. Através da consideração e do tratamento recebido pelos membros daquele grupo, eu definitivamente me conscientizei de  já estar pertencendo uma classe de capoeiristas de conteúdo.

 Voltei a Brasília,todo cheio de si, tocando berimbau razoavelmente bem, com a auto-estima elevada, e principalmente por ter conhecido  capoeiristas antigos,cujos elogios e palavras de encorajamento, fizeram-me acreditar que estava  trilhando o caminho certo.

   Um pouco antes de iniciar a minhas atividades no Colégio Elefante Branco(CEMEB),fiz uma passagem curta por um local, chamado na época, pejorativamente de “Curral-das-éguas” (Depois foi um laboratório de biologia do CEUB e hoje me parece pertencer ao curso PROCESSUS).  Ficava exatamente entre a academia Júlio Adnet(hoje um centro-clínico),o colégio Rosário e o Colégio Elefante Branco.  Quando comecei a estudar o segundo grau neste último, submeteram-me ao famoso trote,com a raspagem da cabeça,pinturas pelo corpo,etc.,etc. Diga-se de passagem,por vontade própria,pois os veteranos hesitaram em aplicar o trote sem a minha anuência.  Nesta época eu ainda dava aulas no “Curral” ,do qual guardo algumas fotos onde apareço com o cabelo começando a crescer em consequência do trote(1968).

 No CEMEB (Elefante Branco) eu conhecí um grupo coordenado pelo irmão do famoso líder estudantil da UnB(Honestino) desaparecido na época repressiva da ditadura militar. Este capoeirista foi aluno do mestre Cláudio Danadinho. Um de seus componentes era um negro carioca  do bairro do Méier, apelidado de “Azeitona” . Tratava-se de uma excelente pessoa,muito animada e carismática.

Durante a única roda que participei com eles no estacionamento do CEMEB,joguei com a turma de um modo mais duro e ligeiro, deixando uma grande impressão.

O grupo se desfez sem que eu soubesse para onde foram.

 Um grupo de amigos do CEMEB,muitos dos quais, são hoje pessoas de bem, sabendo da minha fama de capoeirista,convidaram-me para começar uma turma no Elefante Branco em 1968. Um deles,é hoje  inclusive,um grande oftalmologista,possuidor do martelo-rodado mais alto e eficiente de todos os meus alunos.

Na verdade esta turma teve o apoio,de um  dos maiores diretores que aquele estabelecimento de ensino já possuiu. Grande no tamanho e também no coração. Era professor de educação física e jogou muito basquete. Soube que possuiu uma academia no Lago Norte,mas nunca mais tive notícias suas.

Ele me viu um certo dia, treinando com o meu grande amigo de infância,grande mestre de caratê e um dos meus primeiros seguidores na capoeira. Estávamos no extremo sul do colégio,ao lado da secretaria,quando o diretor chegou e sentou-se para nos ver lutar. Eu me defendia com a capoeira,contra os golpes de porrete desferidos pelo meu amigo,na minha direção. Ele percebendo que deveríamos fazer o melhor para impressionar o diretor,apimentou aquela luta simulada. Recebí um forte golpe no dorso de uma das mãos,cuja dor causada,quase me fez desistir. Mas como reflexo,apliquei-lhe uma veloz meia-lua-de-compasso a qual acertou-lhe exatamente a mão que empunhava o porrete. Este por conseqüência,soltou-se de sua mão e foi parar dentro da secretaria.  O diretor ,ao invés de nos repreender,autorizou-me a ministrar aulas de capoeira no colégio,a partir daquele dia.

 Meu amigo mudou para aquela modalidade por achar-se menos flexível na capoeira. Por outro lado,Brasília ganhou muito com um novo mestre do Karatê.  Até hoje é um grande guerreiro. Estudamos junto no ginásio e no científico. No ginásio tivemos uma briga que nos afastou um certo tempo mas depois resolveu-se com a retorno da amizade. Agradeço-lhe por esta amizade e lealdade a mim. Devo-lhe dinheiro,pelos incontáveis lanches que ele me pagou na hora do recreio,sem nunca ter-me cobrado,ou jogado na cara. Agradeço-lhe pelas roupas que me emprestava na época de festas e pelo carinho com o qual seus pais me tratavam,quando eu ia visitá-los. Sempre ao cair das tardes,eu ficava esperando-o no estacionamento da SQS409 com os olhos na direção da SQS208. Quando sua imagem surgia gradualmente ao longe com um porrete na mão,sabia que estava prestes a começar uma série de treinamentos. Certa vez, quando ele já estava praticando Karatê( Começou com um mestre japonês na SCS408), fomos visitar uma bela menina que morava na SQS 214 e era o sonho de muita gente no colégio do Setor Leste. Para a nossa surpresa, ao entrarmos numa quitanda da quadra para comer umas frutas,notamos do lado fora,uma turma de marmanjos nos esperando sair para nos juntar. Tudo por ciúmes da tal garota que fomos procurar.  A diferença numérica era considerável. Tivemos uma idéia brilhante, a qual nos livrou de sermos massacrados. Pura estratégia!!!

-  Mas funcionou!

Cada um pegou um caixote de madeira na saída da quitanda. Ele quebrou o dele com um sôco seguido de um kiái. Eu  lancei o meu para o alto e quebrei-o com um forte martelo.

O braço esquerdo do meu amigo e a minha perna direita,ficaram espetados por farpas de madeira ensanguentadas.

Saímos ilesos, por entre os nossos inimigos.

  Numa outra situação,fomos para uma festa de quinze anos da irmã do GUINZA(Um rapaz filho de japoneses),onde usei o meu primeiro terno (Azul-marinho) comprado com muita dificuldade pelo meu pai,numa alfaiataria situada,na época,acima da BIBABÔ.   Percebi um corre-corre lá fora,acompanhado de gritos,muito antes da valsa da meia-noite.  Saí  para ver o que estava acontecendo. Muita gente fez o mesmo. Meu amigo estava brigando com um indivíduo. Ele levava vantagem e chegou a quase desmaiá-lo,simplesmente puxando-o pelas duas mãos de encontro a um poste . Parecia uma comédia cinematográfica!

Estava tudo sob controle, não fosse a interferência de alguns amigos do adversário saídos de uma Kombi,para socorrê-lo e juntar o meu amigo .

Quando sentí a covardia entrei na briga,sem mesmo retirar o paletó do terno. A pancadaria começou a atingir novos alvos.

Eu estava usando um sapato social com sola de couro e  brigava sempre sobre o asfalto de uma das vias transversais que liga a W5 com a W3, na altura dum antigo magazine chamado BIBABÔ(SQS708 )

O meu amigo foi para cima da grama e escorregou. Os caras  aplicaram-lhe um chute,cuja intensidade causou-lhe um ferimento sangraste na face. Quando percebi que estavam lhe agredindo no chão,corri em direção à muvuca e chutei as costas do primeiro cara que estava ao meu alcance,como se fosse uma bola. O cara se contorceu agonizante no chão, em altos gritos.

Meu amigo,ainda atordoado pelos chutes que levou mas aproveitando a preocupação da gangue com o companheiro atingido nas costas conseguiu fugir em desesperada carreira na direção da SQS308. Tentaram perseguí-lo,mas em vão.

A briga continuava até que um deles agarrou-me firmemente pela gola do paletó do meu terno novinho com suas mãos imundas. Não sabia o que fazer para que o cara me soltasse sem estragar o terno . Como eu poderia voltar para a festa todo amarrotado e sujo? E quais desculpas eu daria aos meus pais pelo prejuízo que eu lhes causei com o terno todo danificado?

Resolví,no desespêro, aplicar-lhe uma série de socos consecutivos e alternados usando ambas as mãos e visando o centro da face .  Minhas mãos resvalavam pelas laterais da sua cabeça, não o atingindo-o em cheio. De repente ele me soltou e fugiu ,sem danificar o meu primeiro terno que usei na vida.

Meu amigo escafedeu-se.

De repente me vi cercado por todos a gangue junta , sem que nenhum espectador interferisse em meu favor. Estava perdido, pensei.

E para piorar a situação,surgiu, de não sei onde,o tal que me agarrou pelo paletó e revidei com alguns sôcos ,sem contudo conseguir nocauteá-lo. Fiquei muito assustado com a cena que eu presenciava naquele exato momento. O cara vociferava,praguejando ameaças futuras, enquanto me mostrava o resultado dos socos na sua cabeça . A minha decepção por não tê-lo nocauteado,transformou-se agora  em perplexidade. Eu não estava realmente acreditando no que eu estava vendo. O indivíduo apresentava a face toda ensangüentada  por múltiplas lesões no couro cabeludo causadas pelos sôcos.

 O círculo que a gangue formou em torno de mim começava a se fechar. A minha sorte foi a chegada da polícia,com suas sirenes ligadas em alto som . Os meus algozes nem chegaram a tocar um dedo em mim. Respirei aliviado,pela sorte que tive naquele dia. Voltei para a festa e ainda peguei a valsa. O meu amigo voltou depois com um grande corte no supercílio. Chegando em casa ,notei  que os dois punhos(camisa e paletó) estavam bastante sujos de sangue,quando vistos de contra a luz. Depois fiquei sabendo que a turma com a qual brigamos,pertencia a um bloco carnavalesco  das imediações. Não ficaram ressentimentos.


Uma história contada por um grande mestre do JUDÔ.


Fiz JUDÔ com um grande mestre e juiz internacional(Ele dava aulas no CEMEB e na Polícia federal). Na época do Ginásio eu fui aluno de um mestre que tornou-se um grande orgulho para o Judô de Salvador-BA.  Viveu alguns anos naquela capital mas infelizmente veio a falecer em 2008 aos 68 anos.

 Do mestre de judô do CEMEB  recebi muitos elogios por praticar uma capoeira,considerada por ele, eficiente como defesa-pessoal.  Certa vez ele me contou  a seguinte história:

- No início de Brasília, ele passeava pelo Núcleo Bandeirante(Antiga Cidade-Livre)  quando esbarrou ,sem-querer,num operário trazido de longe para construir a nossa capital. O mestre de JUDÔ(e caratê também) tentou se desculpar, num Português ainda precário mas o indivíduo, insatisfeito sentiu-se com o orgulho ferido por um indivíduo de olhos-rasgados e falando uma língua incompreensível. Começaram as ameaças.  O Mestre empurra o “Candango” confiando nos seus conhecimentos de artes-marciais e para a sua surpresa,o desconhecido desferiu-lhe rápido e instintivamente, um golpe certeiro na sua cabeça. Pelos movimentos que ele gostava de me ver  treinando no salão negro do CEMEB,tenho quase certeza que levou uma meia-lua-de- compasso. O mestre disse-me ainda que conseguiu  recuperar-se da pancada,e mesmo tonto, agarrou o indivíduo aplicando-lhe uma chave-de-braço . Esta é a história que veio-lhe à lembrança ao ver-me treinando a capoeira. Foi emocionante quando ouvi esta narrativa contada por este grande mestre , pelo seu  desprendimento e humildade em relação a um fato que lhe foi desfavorável.  Ficou também demonstrada a presença da capoeira em Brasília desde os seus  primórdios,trazida pelos  nordestinos, trabalhadores temporários, os quais infelizmente retornaram na sua grande maioria para os seus estados de origem,sem deixar-nos  maiores lembranças.


Outras formas de lutar,mas a capoeira sempre presente.


Houve uma época em que o pugilismo era muito presente no nosso meio,através de apresentações de boxe e luta-livre.

 Tivemos grandes disputas entre renomados praticantes. Quase sempre eram acompanhados de apresentações de outras modalidades que faziam as preliminares do evento principal.

 Fiz amizade com grandes nomes do pugilismo. Um grande boxer de renome internacional me convidou para dar aulas no espaço ao lado da antiga academia Júlio Adnet(curral).  Este senhor presidiu a federação de pugilismo,da qual a capoeira era subordinada. Tive oportunidade de viajar para alguns estados brasileiros,durante a sua gestão,para participar de competições  estaduais e  nacionais.  Grandes lembranças do seu Manoel !

 Um lutador muito grande,surgiu aqui em Brasília e participou de diversas lutas-livres. Era meu vizinho na SQS que eu morava. Uma vez estávamos no parque da Água mineral e começamos a ensaiar uns tapinhas. Eu não teria condições de enfrentá-lo corpo-a-corpo pela diferença de tamanho,mas o diferencial se fazia com as bandas e rasteiras que eu dava nele. E quando ele queria partir para o combate agarrado,eu saía "todo ensaboado" de rolê.

Infelizmente morreu jovem num acidente automobilístico na EPTG,quando esta era constituída de apenas uma via.

Outro grande lutador,fez  a fama aqui em Brasília e em todo o Brasil. Porque não dizer,mundialmente? Ele trouxe de Salvador para o DF alguns capoeiristas formados pelo Mestre Bimba  que acabaram radicando-se no planalto central .  Realizavam espetáculos de luta-livre com apresentações preliminares de capoeira. No início apresentávamos eu e o mestre Tabosa mas com a chegada do pessoal da Bahia,reunimos todos juntos.

Recebíamos um cachê modesto,mas inesquecível. Quando passamos a não recebê-lo e com desculpas não convincentes,cessamos também as apresentações. Nesse ínterim,os capoeiras que ele trouxe, preparavam alunos de Brasília,para dar continuidade às apresentações que recusamos de fazer.

(A continuar…..)